Dominar o sistema de escrita não é suficiente para estar alfabetizado. Vimos isso nos tópicos anteriores, que explicam ser preciso também tornar-se capaz de ler e escrever textos de diversos gêneros, interpretando e entendendo seu contexto. Esse pensamento também encontra guarida na própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que pretende alinhar as propostas pedagógicas do país que adotam a rota da alfabetização.

Vale destacar que a BNCC não oferece ao professor orientações didáticas e elementos para avaliação. O foco do documento está em “o que ensinar”, pois se concentra na proposição das competências e habilidades essenciais a serem desenvolvidas pelos alunos, deixando a construção do “como ensinar” a cargo das escolas. Mas como trilhar esse caminho? Veremos logo a seguir.

Antes, é preciso lembrar que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a BNCC, que é um documento federal de caráter normativo, deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino e as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas.

O processo de elaboração do documento foi intenso: envolveu contribuições públicas por meio de consultas virtuais e seminários promovidos para discussão. A BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental foi homologada em dezembro de 2017 (a do Ensino Médio foi homologada um ano depois, em dezembro de 2018).

Resumidamente, a Base estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todo estudante desenvolva ao longo da escolaridade básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Assim, a BNCC delineia o que é essencial abordar na escola básica, como, por exemplo, garantir o aprendizado do alfabeto e de sua utilidade como código de comunicação, bem como a apropriação do sistema de escrita e de mecanismos de leitura.

Nesse processo, a alfabetização é definida como a principal ação pedagógica do começo do Ensino Fundamental dos 1º e 2º anos. O documento prevê que, ao final do 2º ano, as crianças já devem possuir habilidades relacionadas a leitura e escrita. Numa lógica evolutiva, o processo tem continuidade no 3º ano com ênfase na ortografização.

Eixos da Língua Portuguesa

Ao chegar ao primeiro ano do Ensino Fundamental, é de se supor que a criança já tenha sido exposta a textos na Educação Infantil e que esteja pronta para dar o passo seguinte.

De acordo com a BNCC, esse passo seria o desenvolvimento das capacidades e habilidades pretendidas pelo processo de alfabetização e propostas conforme os quatro eixos da Língua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino Fundamental: Oralidade; Análise Linguística/Semiótica; Leitura/Escuta; e Produção de Textos.

O objetivo é que, ao final desse período, o aluno alfabetizado reconheça amplamente as palavras e os grafemas que compõem o alfabeto, domine os padrões gráficos e distinga a escrita de outros sistemas de representação.

Veja a seguir alguns aspectos intrínsecos da BNCC:

1 – Nenhum método específico

Oficialmente, a BNCC não define direcionamentos para as abordagens que devem ser adotadas. No entanto, ela enfatiza o trabalho com algumas relações entre fala e escrita, ao reconhecer que a apropriação do sistema alfabético de escrita tem suas especificidades.

O fato de a BNCC não defender ou impor um método específico garante a autonomia das redes e reforça a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas.

Porém, no fundo, a BNCC assume a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, reconhecendo que ela é uma atividade humana e uma prática social, o que se comunica muito bem com o método fônico. Por isso mesmo, a Base foca em textos reais como unidades de trabalho.

2 – Alfabetização até o 2º ano

A admissão de que a alfabetização deva ser o foco da ação pedagógica nos dois primeiros anos do Fundamental representou uma mudança em relação ao que o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que é a diretriz anterior, colocava como prazo-limite (o 3º ano).

A BNCC diz que os conhecimentos de alfabetização até o 2º ano precisam articular os currículos para fazer com que a criança compreenda as diferenças entre escrita e outras formas gráficas e a natureza alfabética do sistema de escrita. Isso inclui desenvolver fluência e rapidez de leitura.

Esta talvez tenha sido a maior polêmica durante a gestação da BNCC, mas prevaleceu o entendimento de que as crianças aprendem de diferentes maneiras e esta pode ser uma opção para a parcela que não tem sido alfabetizada apenas pelas propostas das diretrizes anteriores.

Depois de muito debate, o documento final propõe mesclar duas linhas de ensino: uma que aposta na centralidade do texto e no trabalho com as práticas sociais de leitura e escrita e outra que acrescenta o planejamento de atividades que permitam aos alunos refletirem sobre o sistema de escrita alfabética. A ideia que vingou é a de que indicar a inclusão de atividades específicas sobre notação alfabética não significa desprezar a imersão no texto e sua função social nem estabelecer uma ordem de prioridade entre os dois trabalhos.

3 – Eixos estruturantes

Uma novidade importante da BNCC são os campos de atuação, que estruturam o documento como eixos estruturantes cujo objetivo principal é evidenciar a proposta de contextualizar a construção do conhecimento sobre o uso da língua no cotidiano, dentro e fora da escola

Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, são quatro campos: vida cotidiana, artístico-literário, práticas de estudo e pesquisa e vida pública.

4 – Uso de textos diversos

Para que essa compreensão da linguagem inserida na vida prática se consolide, a BNCC sugere trabalhar com formatos de textos novos e diversificados. Trata-se de pensar em muito mais do que livros didáticos: devem fazer parte das aulas vídeos, podcasts ou conteúdos de novos formatos.

A BNCC dá ênfase ao ensino das especificidades da leitura e da escrita em ambientes digitais (chats, tuítes, posts, e-zines etc.) e não só nos gêneros clássicos (conto, crônica, entrevista, notícia, tirinha, receita etc.). Quaisquer textos multissemióticos e multimidiáticos que atribuam significado à mensagem também devem ser abordados, como os que incluem imagens estáticas (fotos, pinturas, ilustrações, infográficos, desenho) ou em movimento (vídeos, filmes etc.) e som (áudios, música).

5 – Alfabetização é complexa

A BNCC se preocupa com a construção do conhecimento da ortografia e, para isso, pontua uma perspectiva sociolinguística, que estabelece as relações entre a variedade de língua oral falada (entre sons/fonemas) e a língua escrita (entre letras/grafemas); uma perspectiva fonológica, que é perceber os sons, entender como eles se separam e se juntam para formar novas palavras, o que leva ao conhecimento da estrutura da sílaba do português do Brasil; e o aprendizado sobre os tipos de relações fono-ortográficas do português do Brasil.

O que diz a parte de Educação Infantil

Boa parte da ideia de alfabetização e letramento já se encontram na Educação Infantil da BNCC que, no campo “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, traz um arranjo curricular de experiências e saberes da criança voltados para a comunicação.

Nesse período o essencial é explorar mais a fala e a escuta, por meio de situações e exercícios interativos e lúdicos.

Em relação à escrita, o documento lembra que a criança manifesta naturalmente curiosidade linguística por textos escritos, que constitui sozinha sua própria hipótese sobre o escrever e é capaz de reconhecer a multiplicidade do seu uso, e que o contato precoce com a Literatura pode colaborar para o desenvolvimento do gosto pela leitura e estímulo à criatividade.

O que diz a parte do Ensino Fundamental

Nos primeiros anos, as experiências iniciadas na Educação Infantil ganham maior profundidade. A alfabetização é inserida na Área de Linguagens e dá ênfase à ação pedagógica de apropriação do sistema de escrita alfabético e desenvolvimento de habilidades envolvidas na leitura e escrita.

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