Aprender a reconhecer as letras, sílabas, palavras – o que se chama alfabetização – é como ser iluminado por uma lamparina em meio a uma imensa escuridão. Dá para enxergar alguns palmos ao redor.

Porém, para saber realmente onde se está pisando, quais os riscos, os perigos e as maravilhas que estão por vir, é preciso dispor, se possível, da luz do sol – e a isso dá-se o nome de letramento.

A alfabetização não garante autonomia. O letramento, sim. Este é o passo adiante – melhor ainda pensar que fosse uma caminhada lado a lado, com o processo de letramento despertando o interesse pela língua.

A vontade de aprender mais sobre ela ajuda a aprimorar seu uso fora dos muros da escola, por exemplo, nas redes sociais, no âmbito da família, com os amigos ou em qualquer outro espaço de convivência.

Em outras palavras, alfabetização é um processo que leva a codificar e decodificar a escrita e os números, ou seja, se refere à aprendizagem e ao domínio do código alfabético (escrita). Esse aprendizado envolve conhecer a gramática tradicional, que busca separar o conteúdo das práticas sociais – quem nunca ficou confuso ao se deparar com a definição de “oração subordinada adjetiva” ou de “sujeito oculto”?

Gramática e interpretação do mundo

O conceito de letramento, por sua vez, pretende ultrapassar o “trauma” da gramática tradicional ensinada na escola ao se relacionar com a nossa vivência. É ele que dá à leitura e à escrita uma função social e, portanto, contribui para o desenvolvimento da capacidade de reflexão e de contextualização sociais.

Nesse sentido, a importância do letramento é evitar que o exercício do aprendizado seja automático, repetitivo e descontextualizado, como propunha a famosa cartilha “Caminho Suave”, que alfabetizou mais de 48 milhões de brasileiros entre a década de 1950 e os anos 1990, com o bordão “Eva viu a uva”.

Ser letrado é usar a língua dentro de um contexto social, interpretando e compreendendo textos (escritos e orais).

Muito mais do que juntar “lé com cré”

Sim, quem reconhece o alfabeto tem plena capacidade de “juntar lé com cré” para ler uma notícia nos jornais, mas só irá realmente apreender a mensagem se estiver letrado, o que significa ter desenvolvido a habilidade de conectar as orações e parágrafos para fora do papel, ligando tudo ao mundo e ao contexto histórico no qual vive.

O mesmo acontece quando a pessoa consegue se divertir com uma charge, seguir a receita de bolo ou interpretar a ironia dos quadrinhos.

É equivocado, portanto, entender a alfabetização e o letramento como irmãos siameses; mas também é fato que os dois conceitos devem caminhar juntos, de maneira paralela, para garantirem um aprendizado mais completo e emancipador.

Para que isso aconteça, a alfabetização precisa se desenvolver em um contexto de letramento, aperfeiçoando simultaneamente as habilidades de uso da leitura e da escrita.

Como já ficou claro, um indivíduo alfabetizado, que sabe ler e escrever, não é necessariamente um indivíduo letrado. Só este último responde adequadamente às demandas sociais da leitura e da escrita.

O legado freiriano

No Brasil do educador Paulo Freire (1921-1997), os conceitos de alfabetização e letramento se unem e se confundem, tornando a escola um espaço de interação firme com o caráter social da leitura e da escrita.

Na concepção freiriana, a alternativa à educação bancária (a escola tradicional e elitizante) como fonte de aprendizado é o diálogo permanente entre educadores e educandos. Isso se dá baseado em premissas que vão da investigação da demanda temática de interesse da comunidade de educandos à escolha dos temas importantes que conversem com as necessidades da comunidade.

Freire estabelece a Educação libertária reconhecendo a multiplicidade de letramentos (os multiletramentos) como uma forma de impulsionar a emancipação política dos indivíduos, que empoderam-se para escolher criticamente os conteúdos a serem abordados no ambiente educacional.

Alfabetização x Letramento: de que lado está a BNCC?

O embate entre alfabetização e letramento tem tudo a ver com a concepção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz diretrizes específicas para a etapa escolar de alfabetização nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Acontece que a BNCC tem como diretriz a inserção social e cultural da criança para que ela ganhe autonomia e construa consciência individual e coletiva. Nesse aspecto, a base indica que o letramento permeie todas as fases de aprendizado, desde a Educação Infantil.

As práticas de linguagem, por exemplo, direcionam-se ao uso de linguagens situacionais simples e contextualizadas ao universo do estudante.

As próprias vivências do aluno são trazidas à tona, considerando sua bagagem de conhecimentos prévios, tendo o educador não como farol, mas como um incentivador para que a criança encontre a “luz do sol”.

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