Estabilidade, boa remuneração e qualidade de vida. Esses são alguns dos benefícios que a aprovação em concursos públicos pode trazer. Porém, para alcançar esse objetivo é preciso passar por uma rotina de sacrifícios e incertezas que pode ter um impacto direto na saúde mental dos concurseiros.
E ninguém melhor para ajudar nessa preparação mental para concursos que a psicóloga Simone Lemos. Ela passou passou por todas as provações da vida de concurseira e hoje, além de se dedicar à psicologia, também atua como Analista de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Nesta entrevista, ela fala sobre o vale da sombra da morte dos estudos e dá dicas práticas para ter uma rotina produtiva e saudável de estudos e não deixar o concurso público detornar a nossa mente. Confira!
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Clube do Português: Como conciliar saúde mental e preparação para concursos?
Simone Lemos: Primeiramente, é importante destacar que o estudo para concursos é um contexto, por si só, emocionalmente adoecedor, é muito sacrifício, desgaste e autocobrança. Ainda, alguns aspectos fisiológicos, como o sono, ficam prejudicados. Sem contar em toda a remoção de prazeres e de tempo de descanso.
E tudo isso é potencializado quando o estudante fica por um tempo demasiadamente prolongado nesse contexto. Então quando a gente fala de saúde mental no estudo para concursos, isso tem mais relação com a redução de danos do que com a busca de um bem-estar pleno.
Neste sentido, é importante tentar encontrar um equilíbrio mínimo entre os estudos e a vida social, amorosa, um ou outro hobby e o descanso, porque essas são as válvulas de escape que vão aliviar a pressão e, consequentemente, manter o concurseiro no jogo por mais tempo, sem perder o equilíbrio mental e emocional.
Eu costumo dizer que o concurseiro precisa descobrir qual é a quantidade mínima essencial de uma atividade que vai lhe trazer um prazer e nutrir a sua alma, sem que isso prejudique o planejamento de estudos. Isso exige muito autoconhecimento.
Vale da sombra da morte dos concurseiros
Clube do Português: Em um dos seus vídeos, você fala sobre o vale da sombra da morte dos estudos. O que é e como o concurseiro pode lidar com ele sem prejudicar a saúde mental?
Simone Lemos: O vale da sombra da morte é um período de provações e de transformação. A sombra da morte representa o perigo e o risco. Por outro lado, também é uma fase em que se fortalece a fé e se desenvolve a confiança, pois, como diz o Salmo 23 “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo”.
Essa passagem bíblica nos indica a importância de nos conectarmos com algo maior durante essa jornada. Além disso, para atravessar esse vale, é preciso reforçar a confiança em nós mesmos, nos nossos conhecimentos adquiridos e na nossa noção de auto capacidade.
Também precisamos proteger nossos pensamentos de ideias pessimistas e desenvolver habilidades para lidarmos com emoções negativas, como a ansiedade e a tristeza. Por fim, é fundamental perseverarmos em nossas ações e estratégia, porque são elas que nos levarão ao sucesso em nossos planos.
Estudo para concursos e autoestima
Clube do Português: Como o estudo para concursos públicos pode melhorar a autoestima de uma pessoa?
Simone Lemos: A maior parte das pessoas teve um ensino escolar fraco e poucas oportunidades e estímulos para se explorarem intelectualmente. Quando elas decidem estudar para concursos, ocasião em que há vontade e dedicação para estudar e aprender, elas muitas vezes descobrem não apenas que são capazes de aprender, mas que são, inclusive, inteligentes e nem sabiam.
Isso provoca uma transformação profunda na forma como a pessoa se vê e se coloca no mundo. Vejo muitos depoimentos emocionantes de pessoas dizendo estarem felizes e orgulhosas por finalmente estarem compreendendo português, usando matemática no dia a dia e realizando cálculos que elas nunca imaginavam que iriam conseguir fazer. Se não fosse o estudo para concursos, elas provavelmente jamais iriam descobrir isso.
Rotina e procrastinação nos estudos
Clube do Português: Como lidar bem com a rotina repetitiva do estudo para concursos? Como evitar a procrastinação?
Simone Lemos: Quanto à rotina repetitiva, primeiramente é importante aceitar que ela será, em boa parte, maçante e repetitiva. Faz parte desse processo passar centenas, às vezes milhares, de horas a fio sentado estudando. No entanto, existem estratégias que podem tornar o processo um pouco mais dinâmico. Uma delas é alternar as matérias ao longo do dia e da semana.
Por exemplo, estudar 1 hora de direito e depois estudar 1 hora de matemática. Ainda, para tirar o aspecto entediante dos estudos, é possível estabelecer metas menores ao longo do processo, o que possibilita uma satisfação mais imediata, já que, cada vez que uma pequena meta é realizada, isso traz um prazer, além de tornar o estudo mais estimulante.
Também é possível “gamificar” o processo, ou seja, tornar os estudos uma espécie de jogo, atribuir prêmios ao cumprimento das metas e penalidades quando não realizadas, ou, ainda, dar-se uma nota pela quantidade ou qualidade das horas estudadas e questões resolvidas.
Essa gameficação possibilita que o próprio estudo já se torne algo desejável e, de certa forma, divertido. Essa estratégia também pode ser usada para evitar a procrastinação, já que nós nos sentimos estimulados a ganhar cada pequeno desafio. Conforme os pequenos desafios vão se acumulando, nós começamos a perceber o progresso, o que é um grande motivador.
Por fim, outra estratégia para vencer a procrastinação é fazer “só por 5 minutinhos”. Muitas vezes nós estamos com preguiça de estudar por 2 ou 3 horas, mas topamos só por 5 minutos. Mas quando iniciamos a atividade, nosso cérebro ativa o “modo estudos”, e fica muito mais fácil da gente se manter nessa atividade depois dos 5 minutos iniciais. O difícil, na maior parte das vezes, é começar.
Características dos aprovados
Clube do Português: Na sua experiência com seus mentorados, quais as características indispensáveis daqueles que alcançam a aprovação?
Simone Lemos: Além das características clássicas como organização, disciplina, determinação, adiamento do prazer, etc, eu diria que eles têm uma boa dose de resignação em relação às dificuldades inerentes a esta fase. Ou seja, eles sabem que é um momento de sacrifícios, mas aceitam passar por isso. Eu também os vejo sendo muito proativos.
Eles vão atrás dos melhores materiais, buscam informações, fazem pesquisa, devoram livros, fazem milhares de questões, etc. Outra característica fundamental é a autocrítica. Saber se está aprendendo ou não, se está procrastinando, se está evoluindo. Eles se preocupam em não se enganar.
Ainda, eles adquirem um bom autoconhecimento durante o processo: descobrem os métodos que funcionam ou não para eles, os tipos de materiais mais adequados, os horários em que rendem melhor, o próprio ritmo, os limites, o equilíbrio entre os estudos e a vida, etc. Por fim, eu diria que eles são bastante resilientes. Sentem as tristezas pelos percalços no caminho, mas se recompõem e voltam à jornada.