Dupla concordância verbal: 12 casos que você tem de conhecer

Na Língua Portuguesa, há situações que, em razão das estruturas sintática e semântica de uma oração, é possível que o verbo seja conjugado de duas formas distintas. A isso damos o nome de dupla concordância verbal. Neste artigo, vamos mostrar 12 casos em que identificamos esse fenômeno gramatical. Confira!

12 casos de dupla concordância verbal

Tipos de concordância verbal

Antes de avançarmos, é preciso destacar que existem três tipos distintos de concordância verbal: a lógica, a atrativa e a ideológica. Vamos entender como funciona cada uma delas.

Concordância lógica

A concordância lógica ocorre quando o verbo concorda com o núcleo do sujeito, como ocorre na frase abaixo:

  • A maior parte dos analistas concorda com as políticas adotadas.

Concordância atrativa

Por sua vez, a concordância atrativa dá-se quando a flexão verbal ocorre em linha com o termo mais próximo, como podemos ver na seguinte oração:

  • A maioria das igrejas da região foram construídas no século passado.

Concordância ideológica (silepse)

Já a concordância ideológica é feita não com o termo em si, mas com a ideia que ele expressa. Para entender melhor, vamos conferir um exemplo:

  • Os brasileiros somos muito persistentes.

Nesse caso, para reforçar o fato de que também faço parte do povo brasileiro, eu flexionei o verbo na primeira pessoa do plural. Trata-se, portanto, de um recurso estilístico, uma forma de figura de linguagem.

12 casos de dupla concordância verbal

A dupla concordância verbal vai ocorrer quando pelo menos dois dos três tipos que vimos acima forem possíveis. Nesse sentido, vamos ver 12 casos em que essa situação acontece.

1) Expressões partitivas

Como explica Evanildo Bechara, se o sujeito da oração for representado por uma expressão partitiva (que indica a parte de um todo) – como a maioria, a maior parte, a minoria, grande parte, etc. –, a concordância poderá ser atrativa ou lógica.

Nesse caso, o verbo pode ficar no singular (para concordar com o núcleo do sujeito) ou no plural (para concordar com o determinante). Vejamos alguns exemplos:

  • A minoria dos eleitores apoiou/apoiaram o candidato de oposição.
  • A maior parte dos entrevistados expressou/expressaram preocupação com o futuro do país.
  • Grande parte dos estados sofre/sofrem com a seca prolongada.

2) Sujeito com núcleos sinônimos

Como mostra Fernando Pestana, quando o sujeito for composto por duas palavras sinônimas no singular, o verbo poderá ficar no singular ou no plural:

  • A felicidade e a empolgação tornava o momento ainda mais marcante.
  • A felicidade e a empolgação tornavam o momento ainda mais marcante.

Note que, no primeiro caso, a concordância se dá de forma ideológica com a ideia de que os dois sentimentos expressam apenas um estado de espírito.

3) Sujeito composto depois do verbo

Quando o sujeito composto estiver posposto ao verbo, a concordância pode ser lógica (com ambos os núcleos) ou atrativa (com o núcleo mais próximo). Vejamos:

  • Chegaram tarde ontem Marcos e Luisa.
  • Chegou tarde ontem Marcos e Luisa.

4) Quais, quantos, nenhum, alguns, poucos… + de/dentre nós ou vós

Como ensina Bechara, se o sujeito for constituído de um pronome de sentido partitivo (quais, quantos, algumas, nenhumas, muitos, poucos, etc.), o verbo pode concordar com:

  • o determinante introduzido por de ou dentre;
  • o pronome.

Para entender melhor, vamos analisar alguns casos:

  • Quais de vós sóis/são verdadeiramente honrados?
  • Quantos dentre nós estamos/estão preparados para o que vem pela frente?
  • Nenhum de nós estamos/está pronto para lidar com a solidão.

5) Sujeito constituído pelas expressões um e outro e nem um nem outro

Com as expressões um e outro e nem um nem outro, o verbo pode ficar no singular ou no plural:

  • Nem um nem outro chegou/chegaram no horário combinado.
  • Um e outro veio/vieram à festa de despedida.

6) Núcleos em gradação

Quando os núcleos do sujeito composto estiverem em gradação, o verbo pode ficar no singular (preferencialmente) ou no plural:

  • A ansiedade, o medo, o desespero tomou/tomaram conta de todos.
  • O sussurro, o grito, o clamor invadiu/invadiram a noite.

Perceba que, quando o verbo está no singular, o que ocorre é uma concordância ideológica. Nesse sentido, a ideia que se quer passar é a de um só sentimento composto por diversas partes com diferentes intensidades.

7) Núcleos ligados por séries correlativas aditivas enfáticas (tanto…quanto, não só…mas também, etc.)

Nesses casos, o verbo pode concordar com o núcleo mais próximo (atrativamente) ou com ambos (logicamente). Vejamos:

  • Tanto Juca quanto Rafaela chegou/chegaram cedo ontem.
  • Não só a mãe mas também o pai deve/devem se envolver na criação dos filhos.

8) Verbo “ser”

Quando funciona como verbo de ligação, o verbo “ser” pode concordar tanto com o sujeito quanto com o predicativo:

  • Seu maior desejo era/eram viagens pelo mundo.
  • O maior problema é/são as constantes interrupções no sistema.

9) Núcleos unidos por “com”

Ernani Terra explica que, quando os núcleos do sujeito composto estiverem ligados por “com”, o verbo poderá ficar no plural ou no singular:

  • O rei com sua comitiva desembarcaram na cidade.
  • O rei com sua comitiva desembarcou na cidade.

O gramático alerta, contudo, que o uso do verbo no singular, apesar de permitido, pode gerar ambiguidade. Isso porque o trecho introduzido por “com” pode ser interpretado como um adjunto adverbial de companhia, e não como um dos núcleos do sujeito composto.

Nesse sentido, para deixar claro que o termo é de fato um adjunto adverbial, recomenda-se separá-lo com vírgulas:

  • O rei, com sua comitiva, desembarcou na cidade.

10) Obra subentendida

Quando determinada obra tem nome no plural, o verbo pode tanto ficar no plural quanto no singular. Neste segundo caso, a concordância se dará com a palavra “obra” que estará subentendida:

  • Os Lusíadas configura um marco na literatura em Língua Portuguesa.
  • Os Lusíadas configuram um marco na literatura em Língua Portuguesa.

11) Povo, gente, multidão

De acordo com Hauy, quando o sujeito é representado por certos coletivos, como, por exemplo, gente, povo, multidão, casal, etc., o verbo pode ficar no singular (concordância lógica) ou no plural (concordância ideológica com silepse de número):

  • O povo, ao passar em frente à estátua do rei, entrou/entraram em uma catarse coletiva.

A estudiosa ressalva, porém, que a concordância no plural só pode ocorrer se o sujeito e o verbo estiverem distanciados.

Assim, quando o verbo está imediatamente após o sujeito coletivo, ele deve ficar obrigatoriamente no singular:

  • O povo entrou em uma catarse coletiva ao passar em frente à estátua do rei.

12) Verbo “parecer”

Agora, você vai precisar ter muito sangue frio, porque esse último caso de dupla concordância verbal é o mais complexo de todos. Vamos lá!

De acordo com Amini Hauy, o verbo “parecer“, seguido de infinitivo, admite duas construções:

  • As crianças pareciam brincar alegremente.
  • As crianças parecia brincarem alegremente.

Eu sei. Essa segunda frase é estranha. Muito estranha. Mas espera que vamos explicar melhor e tudo vai ficar mais claro.

No primeiro caso, temos um período simples formado pela locução verbal “pareciam brincar”. Aqui, “parecer” é um verbo auxiliar.

Já no segundo caso, temos um período composto formado pela oração principal “parecia” e a oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo “as crianças brincarem alegremente”.

Lembre-se que, para transformar uma oração em uma reduzida, devemos retirar a conjunção e colocar o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio ou particípio). Lembre-se também que o infinitivo pode concordar com o sujeito expresso em número.

Para entender melhor, veja a frase abaixo:

  • Parecia que as crianças brincavam.

Nesse caso, o verbo “parecer” está na terceira pessoa do singular para concordar com o sujeito oracional “que as crianças brincavam”.

Agora vamos reduzir a segunda oração e flexionar o infinito para concordar com “crianças”:

  • Parecia as crianças brincarem.

Por fim, vamos intercalar a oração principal no meio da subordinada:

  • As crianças parecia brincarem.

Perceba que podemos fazer a mesma intercalação com a oração desenvolvida:

  • As criança parecia que brincavam.

Viu como, fazendo por partes, fica tudo mais simples?

Resumo sobre dupla concordância verbal

Para ajudar você a lembrar de todos os casos de dupla concordância que tratamos neste artigo, preparamos uma tabela-resumo:

CasoExplicaçãoExemplos
Expressões partitivasVerbo pode concordar com o núcleo (singular) ou com o determinante (plural).A maioria dos alunos chegou/chegaram cedo.
Sujeito com núcleos sinônimosVerbos podem ficar no singular (uma ideia só) ou no plural (dois núcleos).A alegria e a felicidade invadia/invadiam o ambiente.
Sujeito composto depois do verboVerbo pode concordar com o mais próximo ou com todos os núcleos.Chegou/Chegaram João e Maria.
Pronomes + de/dentre nós ou vósConcordância pode ser feita com o pronome ou com o complemento.Quantos de nós estamos/estão prontos?
Um e outro / Nem um nem outroVerbo pode ir para o singular ou plural.Nem um nem outro compareceu/compareceram à reunião.
Núcleos em gradaçãoPreferência pelo singular (ideia unificada), mas o plural também é possível.A raiva, o medo, o ódio consumia/consumiam seu coração.
Séries correlativas enfáticas (tanto… quanto, não só… mas também)Verbo pode concordar com o núcleo mais próximo ou com ambos.Tanto a mãe quanto o pai precisa/precisam estar presentes.
Verbo “ser”Pode concordar com o sujeito ou com o predicativo.O problema é/são os atrasos.
Núcleos unidos por “com”Verbo pode concordar com ambos ou só com o primeiro; atenção à ambiguidade.O diretor com seus assistentes viajou/viajaram.
Obra subentendidaQuando o nome da obra é plural, o verbo pode concordar com ela ou com “obra”.Os Lusíadas é/são um clássico.
Coletivos como povo, gente, multidãoVerbo pode concordar com o coletivo (singular) ou com os indivíduos (plural, se distanciado).O povo, ao receber a notícia, reagiu/reagiram de forma intensa.
Verbo “parecer” + infinitivoPode haver locução verbal (plural) ou oração reduzida com infinitivo flexionado (singular).As crianças pareciam brincar / parecia brincarem no parque.

Conclusão

Em suma, a dupla concordância verbal é um fenômeno que revela a riqueza e a flexibilidade da Língua Portuguesa, permitindo diferentes possibilidades de construção frasal conforme a intenção comunicativa, o estilo e até mesmo a ênfase desejada pelo falante.

Conhecer esses casos não apenas amplia nosso domínio da norma culta, como também nos ajuda a interpretar e produzir textos com maior sensibilidade linguística.

Dominar essas nuances é um diferencial para quem deseja escrever com clareza, precisão e elegância.

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