“O diabo está nos detalhes”. A célebre frase faz muito sentido quando se pensa na força que está por trás, ou encoberta, por uma ação discursiva. Afinal, não basta saber usar as palavras, as combinações semânticas de uma língua, para se fazer entender. A destreza gramatical, concentrada nas boas práticas da estrutura das sentenças, não é suficiente para dar conta do discurso. Este é muito mais amplo e geral.

Ceci n’est pas une pipe” ou, em português, “Isto não é um cachimbo”, tem a ver com tudo isso que se chama Análise do Discurso. Para ela, o sujeito que fala e está plenamente inserido em um contexto sociocultural, num dado momento histórico, é que importa.

Ceci n’est pas une pipe. Óleo sobre tela. Rene Magritte. 1929
Ceci n’est pas une pipe. Óleo sobre tela. Rene Magritte. 1929.

Pelo olhar da Análise do Discurso, todo discurso é carregado de ideologia e nem o uso mais rotineiro da linguagem deixa brecha para a neutralidade.

Análise do Discurso e Sistema Linguístico

A Análise do Discurso não desconsidera a relevância do sistema linguístico, mas o vê como um conceito complementar ao processo discursivo. No entanto, para esta corrente de pensamento, o discurso está inserido em um processo intimamente associado à constituição dos sentidos.

Se não, veja: quem você considera mais legítimo para dizer um “não” no seu dia a dia? Pense na quantidade de palavras que mudam de sentido dependendo de quem as emprega, da posição que essa pessoa ocupa na sua vida, de onde ela está e do momento em que as frases são ditas.

A Análise do Discurso lembra que todas estas circunstâncias sócio-históricas diferenciam as falas (e até o silêncio) deste ou daquele sujeito a partir de uma posição ideológica, permitindo construir sentidos muito distintos, segundo cada contexto. A isso chamamos formação discursiva.

Trata-se, portanto, da relação entre a linguagem e a ideologia.

Ideologia, língua e sentidos

A corrente teórica mais fortemente difundida da Análise de Discurso no Brasil é a francesa, que busca dar conta de exames mais complexos da linguagem e propicia uma reflexão sobre a relação da ideologia com a língua.

Se o contexto, o momento e o legado são fundamentais na construção dos sentidos de um discurso, a interpretação do sentido assume papel primordial. Nesse aspecto, cabe à Análise do Discurso essa tarefa que lhe dá nome: a de indagar, averiguar, analisar o que há de simbólico na fala, no texto ou na imagem, como o quadro de Magritte.

No fundo, qualquer contato com um livro também causa esse efeito. O mesmo registro escrito, as mesmas palavras, parágrafos, capítulos e a obra como um todo assumem sentidos totalmente novos à medida em que leitores mais jovens, leem a obra, década após década.

Um bom exemplo recente disso foi o debate suscitado pelas obras infantis de Monteiro Lobato, que causaram arrepios indignados em ativistas antirracistas dessa década, mesmo que tenha, de certa forma, transformado o saci em uma espécie de herói nacional lá no início do século passado.

Com isso tudo, o que fica é que não o autor, mas sim o sujeito-leitor é responsável pelo sentido que constrói a partir da leitura que faz – muitas vezes, até apreende visões bem diferentes quando volta a ler algum tempo depois.

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