Preconceito linguístico é o ato de julgar e/ou depreciar alguém em razão da forma como a pessoa se comunica – seja oralmente, seja por escrito. Neste artigo, vamos explicar melhor este tema. Vamos lá!
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Língua é o conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. É o fio condutor ao qual os falantes se apegam para fazer a conversa funcionar bem.
Mas quem dita as regras do jogo? Quem organiza esses elementos?
Você pode responder que é a interação social, o dia a dia das conversas, de cada papo entre dois ou mais indivíduos. Faz sentido. Mas não é só.
Uma simples intervenção consciente pode mudar o rumo de uma língua e gerar novos fatos fonéticos, passando para trás toda uma tradição de como a gente pratica esse fenômeno que faz nos entender.
O linguista Marcos Bagno lembrou certa vez em seu perfil no Facebook que os humanistas portugueses encasquetaram, lá pelos idos do Renascimento, de reaproximar o latim do português. Como tinham a primazia sobre a “norma culta”, ou a “norma-padrão”, simplesmente baixaram a ordem de novas formas no livrinho de regras da Língua Portuguesa.
Assim, numa canetada, o povo lusitano que dizia pelas ruas “frauta”, “pranta” e “froco” foi impelido a adotar “flauta”, “planta”, “floco”. Nem Luís de Camões escapou. Em “Os Lusíadas”, ele registrou “frauta”, “pranta” e “froco” sem medo de errar. Deveria agora ser considerado “gente sem instrução”?
O preconceito linguístico faz isso: para o preconceituoso, tudo o que desviar do manual da norma culta é taxado de errado, feio, ruim, burro.
Língua artificial e ultrapassada
Bagno ensina que apontar um erro pode ser – incrível – um equívoco e tanto.
“O preconceito linguístico resulta da comparação indevida entre o modelo idealizado de língua que se apresenta nas gramáticas normativas e nos dicionários e os modos de falar reais das pessoas que vivem na sociedade, modos de falar que são muitos e bem diferentes entre si”, afirma Bagno.
O autor lembra que a língua idealizada se inspira na literatura consagrada, nas opções subjetivas dos próprios gramáticos e dicionaristas, nas regras da gramática latina etc.
“No caso brasileiro, essa língua idealizada tem um componente a mais: o português europeu do século XIX. Tudo isso torna simplesmente impossível que alguém escreva e, principalmente, fale segundo essas regras normativas, porque elas descrevem e, sobretudo, prescrevem uma língua artificial, ultrapassada, que não reflete os usos reais de nenhuma comunidade atual falante de português, nem no Brasil, nem em Portugal, nem em qualquer outro lugar do mundo onde a língua é falada”, aponta.
Bagno conta que, até o século 16, existia em português o adjetivo “dino”, escrito assim e pronunciado assim até que filólogos e outros humanistas resgataram do latim o “g” para voltar a escrever “digno”. “Com isso, o que era mero enfeite gráfico se transformou em pronúncia real”, comentou.
Preconceito linguístico, como outras tantas formas de preconceito, tem muito a ver com poder. É quase sempre um ato de cima para baixo, ou seja, está relacionado ao lugar que a pessoa que fala ocupa na sociedade. Depende, portanto, de quem diz, do que diz e, principalmente, a quem diz.
Os falares do brasileiro e o preconceito linguístico
Porém, é justo ressaltar que a língua é dinâmica e que os falantes arranjam e rearranjam a língua de acordo com a necessidade de interação social para cumprir a função primordial da língua, que é a comunicação. Faz sentido, portanto, lembrar que ela sofre influência de vários tipos, do contexto histórico, à geografia e à condição sociocultural dos falantes.
Os falares do brasileiro são bem-marcados e dão brecha a preconceitos muito perceptíveis, sobretudo no falar regional e no socioeconômico. A diversidade dá vazão a muitas formas de falar ou, se preferir, a uma linda e saudável pluralidade da língua. Quem, afinal, não tem um parente, amigo ou conhecido que diz “porta” com aquele “r” retorcido do interior, ou que não usa um “oxe”, vez ou outra?
Está errado falar assim?
Claro que não! O preconceito linguístico só está a serviço de um dado certo status imposto como mais adequado e, por vezes, considerado mais “bonito”. Isso não significa uma defesa da queda da gramática nem o desrespeito à norma-padrão, mas sim a constatação de que por mais que possa haver um “ruído” na conversa de um intelectual com um caboclo, a comunicação se dá.
Há, claro, normas que regem e são responsáveis por certa organização de nossa língua. Porém, não é possível esquecer de que a norma-padrão pode ser visto, também ela, como uma variação linguística, aquela que serve de fio condutor, diga-se, mas que não descarta nem diminui a língua em movimento.
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