O caminho até a fluência da escrita nem sempre é livre de percalços. Certas transtornos mentais impõem inúmeros obstáculos ao processo de alfabetização.
Há, por exemplo, três transtornos específicos de aprendizagem listados na edição mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), que é uma das bases de diagnósticos de saúde mental mais conhecidas no mundo. São eles: a dislexia (que causa prejuízos à leitura); a disortografia (relacionada à expressão escrita); e a discalculia (que afeta as habilidades matemáticas).
Os transtornos da expressão escrita, de acordo com os critérios diagnósticos do Manual, são manifestados pela:
- Capacidade significativamente inferior à média das habilidades de expressão escrita para a idade cronológica da criança, ou de sua capacidade intelectual e nível de escolaridade;
- Dificuldade na expressão escrita apresentada pelo indivíduo, que interfere de modo significativo nas atividades cotidianas que requeiram habilidades de escrita, como escrever frases gramaticalmente corretas e parágrafos organizados;
- Presença de algum déficit sensorial, que dificulta sobremaneira a escrita;
- Falta de habilidade na composição de textos, em gramática e pontuação e má organização dos parágrafos, com erros frequentes de ortografia e caligrafia precária.
Texto truncado
O manual descreve a disortografia como a dificuldade na aprendizagem de ortografia, gramática e escrita. Essa dificuldade pode estar no nível da palavra, da organização de frases, de textos ou de todas elas.
É um transtorno de escrita específico que se manifesta em grandes dificuldades com a gramática. Tanto que os erros mais comuns são a omissão de letras nas palavras ou a substituição de sílabas, o esquecimento de marcas diacríticas e a aplicação incorreta de regras gramaticais.
No nível da palavra, a criança diagnosticada com disortografia confunde os sons por não conseguir escutá-lo direito ou por não ter consciência dos sons que compõem uma palavra. Assim, ela troca o “P” por “B”, o “T” por “D”, o “F” por “V”, o “X” por “J” e o “S” por “Z”.
Os mais velhos têm dificuldades também no nível da frase: ao escrever, o aluno disortográfico usa frequentemente verbos no infinitivo e não consegue fazer as concordâncias, inclusive as de número. Ele também resiste a usar letra maiúscula no início de frases e sinais de pontuação.
Quando vai redigir um texto, apresenta dificuldade para construir uma ideia, e o texto sai truncado, mesmo que ele consiga falar com desenvoltura.
O tratamento depende de um fonoaudiólogo e, depois, de um psicopedagogo. Para interagir com uma criança com disortografia, o educador precisa valorizar o conteúdo sobre a forma para que ela não se sinta desestimulada a escrever. Para ela, vale, portanto, combinar não descontar pontos na escrita, que deve ser frequente, e realizar provas orais, como um recurso extra.
Às vezes, a criança só precisa de um tempo. O professor pode mostrar os erros, para reforçar o aprendizado do aluno, e fazer para ele um glossário ou um quadro à parte, organizando melhor as correções. Pode funcionar também propor ler o texto ao contrário – assim, ao invés de se concentrar no conteúdo da mensagem, ela poderá observar cada palavra separadamente.
Dois em um
Segundo especialistas, a disortografia pode acontecer de forma isolada ou vir acompanhada da dislexia. Aliás, todo indivíduo disléxico possui também disortografia.
Esse é o transtorno mais conhecido, embora não se saiba ainda tudo sobre ele. A dislexia é a dificuldade de aprender a ler e a escrever e de realizar essas tarefas sem erros. O disléxico não encadeia as letras e não se mostra capaz de formar as palavras ou de relacionar corretamente os sons às sílabas. O sintoma mais comum é trocar a ordem das letras ao ler e escrever.
Por isso, em ambos os casos, os alunos têm o direito de ter as condições de estudo adaptadas nas escolas. Para esses indivíduos, é importante perceber quais são as melhores circunstâncias para a pessoa escrever, para que o volume de erros seja reduzido.
A temida matemática
A discalculia é um transtorno de aprendizagem bem específico, que se manifesta em crianças em idade escolar. Estas demonstram dificuldade para pensar, refletir, avaliar ou raciocinar atividades relacionadas à matemática.
Essas crianças não conseguem identificar sinais matemáticos, montar operações, classificar números, entender princípios de medida, seguir sequências, compreender conceitos matemáticos.
Há vários tipos e níveis (leve, moderado ou grave) de discalculia. Entre os tipos, estão: o verbal (dificuldade para nomear e compreender quantidades matemáticas, números, símbolos, que são apresentados verbalmente); o léxico (para ler e entender isso tudo quando estão escritos); e o gráfico (dificuldade de escrever símbolos matemáticos).
Disgrafia é transtorno motor
Embora não seja um transtorno mental, a disgrafia é um dos transtornos de escrita que se configura como uma questão motora que também afeta a escrita, ao torná-la muito mais lenta e dificultar demais o desenvolvimento de uma letra ilegível. A letra do disgráfico nem sempre é feia, mas nem ele próprio é capaz de entender o que acabou de escrever.
A lentidão motora pode ser tratada com terapia ocupacional, psicomotricidade e fonoaudiologia. Os especialistas recomendam ainda ir a um médico para avaliar se existe alguma questão motora associada.
Por isso tudo, não dá para exigir do aluno disgráfico uma letra cursiva. O melhor é aceitar a letra de forma, mas ajudá-lo a diferenciar maiúsculas de minúsculas. Os temidos cadernos de caligrafia também não resolvem, porque, como já foi dito, a letra nem é feia.
Os especialistas apontam que submeter a criança a exercícios desse tipo só coloca mais pressão sobre ela – é comum o aluno apertar mais a caneta ou o lápis, borrar a página e rasgar a folha tentando apagar tudo.
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