Cora Coralina publicou o seu primeiro livro aos 76 anos. Mas isso não significa que a sua aptidão pela escrita se iniciou nessa faixa etária. 

A autora, principal destaque da literatura goiana, não está associada a nenhuma escola ou movimento literário. Seu único desejo era não ser apenas a Ana – seu nome de batismo, mas sim a voz por trás de suas produções.

Poeta, contista, cronista e uma excelente doceira, Cora foi a combinação que a literatura de sua época precisava. Suas obras expunham de forma grandiosa os menos favorecidos e ainda resgatam memórias de sua cidade natal. 

Cora Coralina: vida e obra

Biografia de Cora Coralina

Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto, nasceu em 20 de agosto de 1889, em Goiás. A filha do desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e Jacinta Luísa do Couto Brandão, foi criada às margens do rio Vermelho e estudou até o terceiro ano do primário. 

No entanto, mesmo com pouco contato com a escola, Cora desenvolveu apreço pela leitura e escrita e teve seu primeiro conto publicado aos 15 anos. Conto este que deu origem ao nome Cora Coralina. Isso porque, segundo a autora, existiam muitas moças que se chamavam Ana na cidade, e ela queria ser destaque com a sua escrita.

Assim, começou a frequentar os saraus da cidade e, em um deles, conheceu Cantídio Tolentino Bretas, por quem se apaixonou. No entanto, Cantídio era um advogado casado e bem mais velho que Cora. Fato que gerou falatório e um grande escândalo na família, a qual proibiu o relacionamento do casal. 

Em 1911, Cora fugiu com Cantídio, após ele ficar viúvo, e viveu em diferentes cidades, incluindo Rio de Janeiro e Avaré-SP. Juntos, tiveram seis filhos, porém dois deles morreram logo após o parto. Entretanto, Cora não era feliz. Seu marido a impedia de publicar seus textos e não deixou ela participar da Semana da Arte Moderna em 1922.

Retomada da vida de escritora

Foi apenas em 1934, quando ficou viúva, que a autora voltou a publicar artigos em jornais locais. Porém, seu sustento vinha de sua aptidão como cozinheira e vendedora de livros. Inclusive, fez também serviços voluntários. 

No ano de 1956, Cora retornou a Goiás para levantar o inventário de bens da família. Contudo, ela decidiu permanecer no local, escrevendo e se sustentando com a venda de seus doces. Mas foi só aos 70 anos que ela aprendeu a datilografar e conseguiu escrever livros nesse formato. 

Cora Coralina faleceu em 10 de abril de 1985, devido a uma grande pneumonia. A casa à beira do Rio Vermelho se tornou, em 1989, o Museu Casa de Cora Coralina. No local está guardado seus objetos pessoais, manuscritos, cartas, fotografias e outras memórias da autora.

Museu Casa Cora Coralina
Imagem do Museu Casa Cora Coralina em Goiás – Fonte: Site da Instituição.

Cora Coralina na literatura

Cora Coralina iniciou na literatura em 1910, com a publicação do conto “Tragédia na Roça”. Embora sua escrita tenha sido muito elogiada, após se casar, Cora foi impedida pelo marido de dar continuidade no sonho de ser escritora. 

Assim, retomou suas produções após se tornar viúva em 1934, enviando seus textos aos periódicos dos lugares em que morou. Porém, foi só em 1965, ano em que Cora aprendeu a datilografar, que ela realizou o sonho de publicar o seu primeiro livro: “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”.

Após a publicação, a autora começou a ganhar notoriedade e tomou posse da cadeira n° 5 da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, em 1970. Em 1976, ela lançou o seu segundo livro “Meu livro de Cordel”, título muito elogiado por Carlos Drummond de Andrade, fazendo com que o público se interessasse ainda mais pela autora.

Em seus últimos anos de vida, Cora foi convidada a participar de programas de televisão e conferências. Inclusive, foi agraciada com o título de Doutor Honoris Causa da UFG. O seu livro “Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha”, também lhe garantiu o “Prêmio Juca Pato”. 

Cora Coralina ocupou, também, a cadeira de n° 38 na Academia Goiana de Letras, em 1984.

Cora Coralina e o reconhecimento de Carlos Drummond de Andrade

Cora Coralina e Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade e Cora Coralina

Foi Carlos Drummond de Andrade um dos grandes responsáveis pelo reconhecimento do público brasileiro por Cora Coralina. Isso porque o poeta mineiro publicou a seguinte carta à autora em sua coluna no Jornal do Brasil:

“Rio de Janeiro, 14 de julho, 1979

Cora Coralina,

Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.

Todo o carinho, toda a admiração do seu.

Carlos Drummond de Andrade”

Características das obras de Cora Coralina

As obras de Cora Coralina possuem características marcantes, como o protagonismo de personagens marginalizados. A escritora explorou diversas vezes temas que destacam a pobreza e a miséria. Inclusive, também escreveu textos falando sobre o histórico da Cidade de Goiás no século XX.

As suas histórias possuem o tom narrativo da poesia, associado aos gêneros épico e dramático. Além disso, os diversos poemas da autora são semelhantes aos contados em formas de versos. 

Entretanto, é válido ressaltar que seus escritos são simples e harmoniosos. Por retratar pessoas humildes e com pouca ou nenhuma instrução, os enredos, ora em prosa, ora em poesia, sempre apresentaram linguagem acessível. 

Prêmios de Cora Coralina

Cora Coralina recebeu vários prêmios e homenagens ao longo de sua vida e após sua morte, destacando-se pela relevância de sua obra para a literatura brasileira. Alguns dos reconhecimentos mais importantes incluem:

  • Homenagem do Conselho Nacional das Mulheres do Brasil (Rio de Janeiro–RJ) – 1980
  • Troféu Jaburu, concedido pelo Conselho de Cultura do Estado de Goiás – 1981
  • Prêmio de Poesia n.º 01, Festival Nacional de Mulheres nas Artes (São Paulo–SP) – 1982
  • Doutora Honoris Causa, Universidade Federal de Goiás −1983
  • Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte – 1984
  • Troféu Juca Pato, atribuído pela União Brasileira de Escritores (UBE) – 1984
  • Homenagem da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação como símbolo da mulher trabalhadora rural −1984
  • Classe Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural (OMC), concedida pelo Ministério da Cultura – 2006 (condecorada postumamente)

Obras de Cora Coralina

A autora deixou um legado literário composto por vários escritos significativos que refletem a simplicidade e profundidade de sua vida e experiências. A seguir, estão listadas algumas de suas principais obras:

  • Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, 1965
  • Meu Livro de Cordel, 1976
  • Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha, 1983
  • Estórias da Casa Velha da Ponte, 1985
  • Os Meninos Verdes, 1980
  • Tesouro da Casa Velha, 1996 (obra póstuma)
  • A Moeda de Ouro Que um Pato Engoliu, 1999 (obra póstuma)
  • Vila Boa de Goiás, 2001 (obra póstuma)
  • O Pato Azul-Pombinho, 2001 (obra póstuma)

Poemas de Cora Coralina

Dentre as obras, os poemas cheios de simplicidade, sabedoria e beleza ganham destaque. Confira alguns trechos: 

Conclusões de Aninha

Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.
O homem ouviu. Abriu a carteira, tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?

Aninha e Suas Pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Frases de Cora Coralina

Vale lembrar que Cora Coralina ficou marcada por suas palavras sábias e poéticas que refletem a simplicidade e profundidade de sua visão de mundo. A seguir algumas de suas frases:

  1. “Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores.”
  2. “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
  3. “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.”
  4. “Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
  5. “Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo.”
  6. “Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos.”
  7. “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”

Questões sobre Cora Coralina

Para finalizar este artigo, vamos a duas questões, com gabarito comentado, sobre as obra de Cora Coralina:

Questão 1 (Funcab – 2010)

Cora Coralina, em um trecho do seu poema “Minha cidade”, faz a seguinte referência a Goiás.

“Goiás,minha cidade… eu sou aquela amorosa de tuas ruas estreitas curtas, indecisas, entrando, saindo uma das outras.”

Muitos consideram Cora Coralina como a escritora que melhor descreveu os “becos de Goiás” e o modo de viver do povo goiano. Em sua homenagem, a cidade histórica de Goiás Velho foi tombada pela UNESCO porque se trata, do ponto de vista arquitetônico, de um conjunto urbano que reflete:

a) forte influência da dominação francesa.
b) traços arquitetônicos do Aleijadinho.
c) estilo copiado de cidades europeias.
d) forma paulista de ocupação do espaço.
e) características da economia mineradora.

Questão 2

De qual movimento literário Cora Coralina fazia parte:

a) Modernismo
b) Barroco
c) Classicismo
d) Humanismo
e) Nenhuma das alternativas

Gabarito comentado

  • Questão 1 – Gabarito: Letra E.

Comentário: A cidade de Goiás (ou Goiás Velho) é a cidade de Cora Coralina: o lugar onde nasceu e morreu a escritora. O local foi marcado pelo ciclo do ouro e essa história da mineração está refletida em sua arquitetura colonial.

  • Questão 2 – Gabarito: Letra E.

Comentário: Como dito no artigo, as obras de Cora Coralina não seguem nenhum movimento literário, apesar de ser influenciadas por vários deles.